quinta-feira, 24 de março de 2011

Leitura de Imagem: O último adeus, de Alfredo Oliani

          Em nossas aulas vimos que o texto não é construído somente com linguagem verbal (palavras), mas também pode ser contruído a partir de uma linguagem não-verbal (imagens). Dessa forma, considerando que os textos podem usar as linguagens mais diversas, é possível se fazer a leitura de um quadro ou escultura, por exemplo. A fim de nos exercitarmos na leitura de imagens, apreciaremos abaixo alguns fotos do conjunto escultórico O último adeus, de Alfredo Oliani. Em seguida, sugiro que procuremos refletir sobre as questões abaixo da imagem. Para realizarmos melhor este exercício, não deixe de registrar suas respostas no caderno.



Em relação às imagens acima:
  1. Em que lugar a escultura está localizada?
  2. Por que a escultura parece deslocada ou inadequada em relação ao lugar no qual ela se encontra?
  3. Podemos notar oposições (contrários) na escultura? (Para tanto observe quais são as figuras que compõem a obra, quais são suas atitudes...)
  4. Junto à estátua, estão as seguintes palavras: "Ó Nino, meu esposo, meu guia e motivo eterno de minha saudade e de meu pranto. Tributo de Maria". Se compararmos essas palavras à escultura, que incoerência encontramos?
          Para melhor compreendermos este conjunto escultórico, vamos ler o artigo O 'Último Adeus', de Alfredo Oliani, que saiu no caderno Metrópole dO Estado de São Paulo em 28 de outubro de 2006. Seu autor é o professor e escritor José de Souza Martins.


          Aquele Beijo já deu o que falar. O conjunto escultórico Último Adeus, de Alfredo Oliani, no Cemitério São Paulo, é a mais comentada obra de arte cemiterial da cidade de São Paulo. Muitos a consideram uma proclamação de erotismo estético, até mesmo uma ousadia profunda a indevida na arte funerária paulistana. Enganam-se. Está localizada logo à direita de quem entra pelo portão principal do Cemitério, na Rua Cardeal Arcoverde. É inevitável que o visitante logo a veja, seja pelo volume seja pelo tema. Um portão lateral menor dá quase na frente da bela obra. Ali é o túmulo de Antônio Cantarella, falecido nas antevésperas do Natal de 1942, com 65 anos de idade, e de sua esposa, Maria Cantarella, dez anos mais moça.
          Ela faleceria muitos anos depois do marido, em 1982. Os dizeres inscritos na pedra do túmulo, quando seu falecimento, informaram que “aqui repousa Maria Cantarella ao lado de seu inseparável e amado esposo...”. Quando da morte do marido, mandara ela própria esculpir na pedra fria estas palavras calorosas e apaixonadas: “Ó Nino, meu esposo, meu guia e motivo eterno de minha saudade e de meu pranto. Tributo de Maria”. É como se ela fizesse questão de apresentar aos passantes anônimos o homem de sua vida, apresentado-se a si mesma assim tão exposta na imortalidade de seu amor.
          Os dois escritores vão muito além da maioria dos textos em memória dos mortos de nossos cemitérios. Especialmente o da própria Maria, uma intensa e direta palavra de amor, uma recusa em reconhecer o tenebroso abismo da morte. Tanto a palavra de Maria quanto a própria obra de arte enchem de luz aquele recanto do cemitério. A escultura de Oliani é sem duvida uma das nossas mais finas e mais belas representações da dor da separação, porque a nega na intensidade carnal do encontro entre um homem e uma mulher.
          O motivo principal do conjunto escultórico de Oliani é uma comovente expressão do sentido do amor na vida dos dois. Um homem atlético, nu, reclina-se apaixonadamente sobre o corpo de uma mulher jovem e bela para beijá-la. Ela está morta. A esposa, sobrevivente do casal, pede ao artista uma escultura que celebre abertamente o sentimento profundo de sua união com o marido, reconhecendo-o ainda vivo em sua vida, depois dele morto, e ela própria morta sem a companhia dele. Não reluta na confissão de sua paixão. De fato, há um expressivo componente erótico nesse monumento funerário. Muito mais expressivo, porém, porque está contido numa relação invertida: a viúva declara-se morta e declara o marido de seu imaginário conjugal ainda vivo e no seu pleno vigor de homem. A extraordinária beleza do túmulo do casal Cantarella está na eloquente recusa da anulação do corpo e da sexualidade pela morte, na eloquente declaração de amor sem disfarce, de Maria por Antônio, o Antonino, o Nino.
          Alfredo Oliani, filho de italianos, nascido em São Paulo, em 1906, e aqui falecido em 1988, tinha como características de suas obras, várias das quais localizadas ali no Cemitério São Paulo, a sensualidade e a beleza femininas e o nu, como neste conjunto do sepulcro dos Cantarella. Estudara aqui mesmo, na Academia de Belas-Artes de São Paulo, com Nicola Rollo, que também deixou nos cemitérios paulistanos obras emblemáticas, como Orfeu e Eurídice, no Cemitério da Consolação, a celebração da imortalidade do amor do casal mítico.
          Foi aluno, ainda, de Amadeu Zani, autor do Monumento á Fundação de São Paulo, no Pátio do Colégio, e do conjunto escultórico em memória de Giuseppe Verdi, no Vale do Anhangabaú. Na Itália, na Academia de Belas-Artes de Florença, estudou com Giuseppe Grazziosi, fotógrafo, pintor e escultor, que recebera influências de Rodin.
          Antônio Cantarella veio da Itália já casado com Maria. O amor dos dois é lendário na família. Antônio imigrou rico e se estabeleceu em São Paulo como comerciante e proprietário. Se deixou bens, não sei. Ele e Maria deixaram mais que isso, a lenda de sua paixão sobrepondo-se à própria morte.

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